Lúpus e artrite não são enfermidades de adultos, apenas. Crianças e adolescentes também podem apresentar essas e outras doenças reumatológicas, como dermatomiosite juvenil (DMJ) e púrpura de Henoch-Schönlein (PHS). A reumatologia pediátrica é dedicada ao diagnóstico e tratamento dessas doenças que afetam áreas vitais de crianças e jovens, como o sistema musculoesquelético e também o tecido conjuntivo, que compõe os tendões, articulações, ossos, músculos, coluna, rins e coração. 

O desconhecimento sobre essas doenças acaba deixando tais condições longe dos holofotes e das discussões sobre saúde. Para falar sobre o assunto, a cidade de São Paulo recebeu a I Jornada Reumatológica do Sudeste, que aconteceu entre os dias 29 de junho e 1º de julho. Entre as mesas de debate, duas delas discutiram questões relacionadas à reumatologia pediátrica. Tratamento e sexualidade foram alguns dos tópicos abordados. 

Tratamento alvo (treat-to-target) 

O tratamento para doenças reumatológicas pediátricas requer um cuidado especial, além de condutas precisas. Dando como exemplo o lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ), a dra. Claudia Saad Magalhães, professora titular de Pediatria e Reumatologia Pediátrica na Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, aprofunda o porquê dessa prudência e quais são os riscos do tratamento.

“Quanto mais jovem é a criança [com LES Juvenil], maior a probabilidade de ter nefrite”, explica a médica. A nefrite ocorre quando um conjunto de doenças são responsáveis por causar uma inflamação na unidade de filtração do rim. Com isso, o rim não consegue mais filtrar os resíduos tóxicos e o líquido em excesso. 

“Por conta desse acometimento, o tratamento tem maior gravidade e maior potencial para insuficiência renal. Isso porque ele é feito com imunossupressor, que é a mesma medicação utilizada para o tratamento do câncer, só que aplicado em uma dose menor. Porém, há riscos cumulativos de predispor o paciente a infecções e, a longo prazo, levá-lo a desenvolver doenças como o câncer”, diz. 

Nesses casos, a decisão de tratamento acaba se baseando em um cálculo entre risco e benefício. Comumente, se há o aparecimento de nefrite, inicia-se o tratamento primeiramente com corticoides, tipo de medicamento que pode causar edema (inchaço). Se a criança desenvolve a síndrome nefrótica e começa a perder proteínas, o rim passa a inchar também, o que provoca o efeito adverso de retenção de líquido no organismo. “E depois de muito tempo de corticoide, passa-se ao imunodepressor. Então são casos que exigem conduta mais precisas, mais intensas”, explica a dra. Claudia.

É nesse ponto estratégico que entra o tratamento treat-to-target (ou tratamento alvo, em tradução livre). “É como se fosse a representação do alvo, da meta. Então vamos supor que você não mirou no centro, você mirou na periferia. Nesse caso, o médico decide dar uma dose baixa de glicocorticóide, para evitar o efeito adverso, o inchamento. O paciente pode melhorar, mas ele vai demorar um ano ou dois, por exemplo. No entanto, a doença fica sem controle. Já se for usada uma dose alta por pouco tempo, estabelece-se uma meta que pode trazer o paciente às condições que tinha antes da doença, em três meses”, explica a dra. Claudia. Esse último exemplo seria o treat-to-target, mirando em um alvo, ou seja, na melhora rápida do paciente e o controle precoce da doença. 

É importante frisar que toda a família e o paciente devem estar profundamente implicados na escolha desse tratamento. Pois, caso a meta não seja atingida, uma mudança de prática será necessária, sempre considerando as formas de procedimentos disponíveis para cada caso. 

Por exemplo, casos de nefrite e de acometimento do sistema nervoso central exigirão doses mais altas de glicocorticoide e imunossupressão, que são os tratamentos mais adequados para esses casos. “Então, para cada paciente é necessário individualizar o tratamento de acordo com a manifestação que ele tem. O que consiste a estratégia de treat-to-target é tratar objetivamente aquela manifestação, e cada uma requer uma prática diferente. O tratamento é feito com base no estabelecimento de um parâmetro ideal de melhora. Pensa-se no tempo ideal: eu espero que melhore com três meses, com seis meses? E ao longo do tempo são feitos exames e monitoramentos tendo uma métrica clínica como referência”, diz a dra. Claudia. 

Sexualidade

Outro tópico abordado foi sobre a sexualidade de pacientes adolescentes. Embora o jovem com doença reumática seja como qualquer outro em relação aos seus seus desejos, há um recorte específico para esses casos. O dr. Clóvis Artur Almeida da Silva, reumatologista pediátrico, professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador da comissão de reumatologia pediátrica, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), reforça que é necessário que o reumato pediatra tenha um diálogo aberto com esses pacientes e seus companheiros, sem “vergonha” de abordar esses assuntos.

“Os adolescentes com doenças reumáticas são como qualquer outro. Mas eles podem ter impactos no início da função sexual pela doença ativa ou pelo uso dos medicamentos. Quando a doença está mais inflamada, eles podem ter menos vontade, menos desejo e isso pode obviamente impactar a sua atividade sexual”, diz. Ele ressalta que principalmente nos adolescentes acometidos pela artrite idiopática juvenil, algumas articulações podem ser impactadas, o que pode resultar em dificuldade de movimentação da coxa femural, do quadril e também do braço, levando eventualmente a complicações no ato sexual. “Orientamos muitas vezes a usar medicamentos, como analgésicos, ou relaxantes, para ter um ato sexual mais prazeroso, mais tranquilo pra ele.” 

Falar de sexo é também falar de prevenção, que não deve ser negligenciada ou tratada como tabu. Além da camisinha interna (feminina) ou externa (masculina), que previnem a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, o uso de outros tipos de anticoncepcionais também são indicados, depois de uma análise caso a caso. O DIU de cobre, DIU com progesterona ou implante serão receitados de acordo com a doença e atividade sexual de cada um. 

O dr. Clóvis ressalta outras questões que podem atravessar esses pacientes, como o preconceito e a falta de um olhar voltado às diversas formas de sexualidade. “Uma população que deve ser acolhida é a LGBTQIAP+, que passou por um grau de violência em sua história, com os bullyings e até mesmo situações de violências físicas. Então temos que acolher mais ainda. Nossos serviços vão cada vez mais se adequando a essa realidade.”

Segundo o dr. Clóvis, outros pontos que podem melhorar a prática sexual para jovens com doenças reumatológicas são:

  • Apoio do parceiro(a);
  • Explorar novas posições sexuais;
  • Calor para alívio de dor/rigidez (compressas, banho morno);
  • Lubrificantes e cremes vaginais;
  • Psicoterapia e psiquiatria.

Fonte – Dr. Dráuzio Varella

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