Problema é caracterizado por alterações graves do comportamento alimentar

A passagem de Yasmin Brunet pelo “Big Brother Brasil 2024” (“BBB 24”), que se encerrou na semana passada, quando a “sister” foi eliminada, envolveu, mesmo a revelia de sua vontade, uma série de pautas que repercutiram – e muito – fora da casa mais vigiada do país. A modelo, influenciadora e empresária se viu enredada, por exemplo, em debates sobre a pressão estética, o etarismo e o machismo, ao ter seu corpo e idade sendo alvos de críticas de outros participantes. Além disso, no bojo de discussões que sua presença na atração trouxeram à tona, um dos principais destaques foi a compulsão por comida, um tipo de transtorno alimentar com o qual Yasmin convive, e sobre o qual fala abertamente.

Para especialistas, a exposição do tema em um programa líder de audiência pode contribuir para um melhor entendimento do que são os transtornos alimentares, ainda cercados de tabus.

“Diferente do que muitos pensam, a compulsão por comida não é apenas falta de força de vontade, trata-se, na verdade, de um distúrbio do comportamento alimentar, que está associado ao sentimento de compensação e alívio momentâneo e, que precisa de acompanhamento com o profissional adequado. Quando não tratada, a compulsão pode levar ao ganho de peso, baixo autoestima, além do profundo sentimento de culpa e tristeza, que podem levar a problemas mais graves, como a depressão”, assinala a psicóloga Juliana Meneghelo, especialista em qualidade de vida, longevidade com qualidade e emagrecimento saudável.

Ela detalha que, de maneira geral, os transtornos alimentares (TA) são doenças psiquiátricas caracterizadas por alterações graves do comportamento alimentar. Além da compulsão, diz, as formas mais comuns de ocorrência desses distúrbios incluem Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa, afetando tanto mulheres quanto homens e podendo se desenvolver durante qualquer fase da vida, embora geralmente apareçam na adolescência ou na idade adulta jovem.

“A anorexia e a bulimia nervosa são os dois tipos principais. Essas duas doenças estão intimamente relacionadas por apresentarem alguns sintomas em comum: preocupação excessiva com o peso, distorção da imagem corporal e um medo patológico de engordar. Em ambos os transtornos, o peso e o formato corporal exercem marcada influência na determinação da autoestima dos pacientes que, via de regra, encontra-se rebaixada”, complementa a especialista.

Origem
Sobre causas e fatores de risco, Juliana Meneghelo indica que os transtornos alimentares possuem etiologia multifatorial, sendo determinados por uma diversidade de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares que interagem entre si para produzir e perpetuar a doença. “Sequelas psicossociais e complicações clínicas relacionadas ao comprometimento do estado nutricional e às práticas compensatórias inadequadas para o controle do peso são experimentadas pelos portadores desses transtornos”, acresce, pontuando que prejuízos biológicos, psicológicos e o aumento da morbidade e mortalidade também são comuns.

A nutricionista e terapeuta do comportamento alimentar Ana Soares, idealizadora do @mosaicodanutri, complementa que indivíduos com traços de personalidade como baixa autoestima ou tendências obsessivas e perfeccionistas estão em maior risco de desenvolver anorexia nervosa (AN), enquanto a impulsividade e a instabilidade afetiva podem estar associadas à bulimia nervosa (BN). “Além disso, histórico de depressão e ansiedade, assim como experiências traumáticas como abuso sexual, podem desempenhar ser fator de risco para essas doenças”, situa.

“No âmbito familiar, ter parentes que têm transtorno alimentar aumentam as chances de ocorrência com os demais, seja por causas genéticas ou de interação”, acrescenta. Ana Soares ainda lembra que os padrões de interação familiar, como rigidez e falta de cuidados, a insatisfação corporal da mãe, a internalização do ideal de magreza, o comportamento de fazer dieta, os sintomas bulímicos e maior índice de massa corporal da mãe e do pai aumentam a chance de aparecimento de problemas alimentares na infância, o que pode aumentar o risco para formação de comportamentos alimentares disfuncionais no futuro, enquanto a desorganização familiar pode estar ligada à bulimia.

Por fim, a terapeuta ressalta que, no contexto sociocultural, o ideal de magreza imposto pela sociedade exerce uma pressão significativa sobre os indivíduos, aumentando a vulnerabilidade aos transtornos alimentares. “Além disso, a tendência à obesidade e as alterações da neurofisiológicas também estão implicadas nessa complexa interação de fatores”, adverte.

Sintomas
“A compulsão por comida é caracterizada pelo consumo excessivo de alimentos em um curto período (cerca de duas horas), ainda que a pessoa não tenha fome e esteja saciada, acompanhada de um sentimento de perda de controle sobre o episódio compulsivo”, indica a psicóloga Juliana Meneghelo.

Por sua vez, a anorexia é caracterizada pela perda de peso intensa e intencional, a custa de dietas altamente restritivas, busca desenfreada pela magreza, recusa em manter o peso corporal acima do mínimo normal para a idade, amenorreia (ausência de três menstruações consecutivas) e distorção da imagem corporal.

Já a bulimia caracteriza-se por períodos de grande ingestão alimentar (episódios bulímicos), durante os quais são consumidos uma grande quantidade de alimentos, em um curto período de tempo, associados ao sentimento de descontrole sobre o comportamento alimentar e preocupação excessiva com o controle do peso corporal. “Tal preocupação faz com que o paciente adote medidas compensativas, a fim de evitar o ganho de peso”, sinaliza.

Ainda no caso da bulimia, Juliana situa que o vômito autoinduzido ocorre em cerca de 90% dos casos, sendo o principal método compensatório utilizado. “O efeito imediato provocado pelo vômito é o alívio do desconforto físico secundário à hiperalimentação e a redução do medo de ganhar peso. Outros mecanismos utilizados pelas bulímicas para controle do peso são o uso inadequado de laxantes, diuréticos, hormônios tireoidianos, agentes anorexígenos e enemas. Jejuns prolongados e exercícios físicos exagerados são também formas de controle do peso”, reforça.

Consequências da negligência
“Os transtornos alimentares podem causar sérios problemas à saúde física e mental. Ocupam a posição de terceira doença crônica mais prevalente em adolescente do sexo feminino , depois de obesidade e asma. Causam grande sofrimento para os indivíduos acometidos, seus familiares, afetam negativamente a qualidade de vida, demandam altos gastos de saúde com o tratamento, sendo responsáveis pelo maior risco de mortalidade entre todos os transtornos mentais”, situa Ana Soares, lembrando que o diagnóstico é mais em mulheres jovens, de 18 a 30 anos. “Apesar de menos comuns em homens, a gravidade é a mesma e homens homossexuais têm maior predisposição que heterosexuais”, cita.

O alerta também é ecoado por Juliana Meneghelo. Ela reforça que esses distúrbios apresentam as maiores taxas de mortalidade entre os transtornos psiquiátricos. “Uma morte a cada 52 minutos é resultado direto de um transtorno alimentar. Além dessas estatísticas alarmantes, há uma forte conexão entre distúrbios alimentares e suicídio. Segundo a National Association of Anorexia Nervosa and Associated Disorders (Anad), 26% das pessoas com transtornos alimentares tentam o suicídio”, assevera.

Tratamento
Diante da gravidade das complicações associadas aos transtornos alimentares, Ana Soares explica que o tratamento dos transtornos alimentares é feito com equipe multidisciplinar, incluindo profissionais da psiquiatria, psicologia e terapia nutricional, podendo, inclusive, ser indicado o uso de medicamentos para o controle de sintomas. “O apoio da família e amigos é muito importante, pois é uma tratamento desafiador, demorado e a recuperação leva tempo. No entanto, com apoio adequado muitas pessoas conseguem superar e ter uma vida saudável e plena”, assegura a terapeuta.

Juliana Meneghelo complementa lembrando que, para ser funcional, é preciso que o paciente se engaje com o tratamento. “A pessoa precisa aceitar ajuda para resolver o problema e se comprometer com a mudança de hábitos. O problema é que pacientes com transtornos alimentares podem sentir vergonha de admitir que têm um problema com os hábitos de alimentação; acreditar que devem vencer o transtorno sozinhas; não perceber o transtorno como uma doença; e considerar seus hábitos ‘úteis’. Nesse ponto, é importante enfatizar que isso ocorre porque as pessoas com distúrbios alimentares, geralmente, têm uma imagem distorcida do próprio corpo. Tais percepções conduzem a pensamentos obsessivos, sempre muito difíceis de modificar”, conclui.

Identificação
Ana Soares destaca que a equipe do Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (Naves) da Faculdade de Medicina da UFMG desenvolveu ferramenta em 2021 para diagnóstico precoce de anorexia, bulimia e transtorno do comer compulsivo. Chamada de SCOFF-BR, trata-se de um questionário curto, com cinco perguntas rápidas e que pode ser usado por qualquer profissional de saúde ou mesmo pessoas leigas na identificação do risco transtornos alimentares, os que podem ser invasores e ocasionar muito sofrimento.

Confira o questionário da SCOFF-BR:

Você provoca vômito quando você está se sentindo desconfortavelmente cheio?
Você se preocupa de ter perdido o controle do quanto você come?
Você perdeu recentemente mais de 5 quilos num período de 3 meses?
Você acredita estar gordo(a) apesar das outras pessoas dizerem que você está muito magro(a)?
Você diria que a comida domina a sua vida?
Se a pessoa responder de forma positiva a pelo menos duas questões, é indicado consultar um médico. O diagnóstico de transtorno alimentar só pode ser feito por um especialista.

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