O Exército exonerou dos postos de comando dois militares que foram alvos da operação da Polícia Federal deflagrada na semana passada para apurar a organização de um golpe de Estado e manter Jair Bolsonaro (PL) no poder, por meio da disseminação de fake news e intervenção das Forças Armadas. O ex-presidente também é investigado, assim como ex-ministros e generais.

Perderam os cargos o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais. A decisão foi publicada no Diário Oficial de quarta-feira (14) e assinada pelo comandante do Exército, general Tomás Paiva.

Hélio Lima atuou na busca por inconsistências nas urnas eletrônicas, segundo a PF. Ele alimentava a propagação de desinformação para provocar descrédito do sistema eleitoral, ainda de acordo com os investigadores.

A PF recuperou documento em inglês e um arquivo em formato PDF com o nome “fraude nas Urnas 2022” e mensagens que insinuam a existência de dois códigos-fontes das urnas eletrônicas, enviados por Lima a Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

Já o coronel Guilherme Almeida produziu, divulgou e amplificou fake news e “estudos” sem credibilidade que deslegitimam o processo eleitoral, para criar o “ambiente propício para a execução de um golpe de Estado”, conforme relatório da PF.

Entre as provas, os investigadores detectaram conversa de Guilherme Almeida com Mauro Cid em que é compartilhado conteúdo com desinformação sobre as urnas, produzido por Fernando Cerimedo e usado inclusive pelo PL para apontar irregularidades nas urnas, nunca comprovadas.

“O investigado, ainda, comemora a criação e organização de um site que contemplaria todo o material fraudulento, hospedado em Portugal, afirmando ‘nosso time é bom demais'”, diz trecho do reltáorio da PF.

Ao exonerar os comandantes, o Exército cumpriu determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele mandou suspender das funções públicas os investigados pela PF. Moraes impôs outras medidas cautelares, além de expedir mandados de prisão e de busca e apreensão na operação desencadeada há uma semana.

O que diz a PF diz ter sobre a suposta ‘organização criminosa’

Para conseguir os mandados de busca e apreensão, além das ordens de prisão, para a operação de quinta-feira, a PF apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um relatório. O documento tem análises de investigadores, com material anexado e apresentado como prova. O conteúdo inclui mensagens de textos e áudios, além de vídeos dos investigados.

A representação da PF disse haver indícios de tentativa de que uma “organização criminosa” visava golpe de Estado e planejou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

  • A tentativa de golpe de Estado é considerada crime, com pena que varia de 4 a 12 anos de prisão , além da punição correspondente à violência empregada para a busca de tomada do poder – ou permanência no poder, caso a intenção seja beneficiar quem está nele.
  • Já a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito ocorre quando alguém atua com violência ou grave ameaça para impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais, como o STF. A punição vai de 4 a 8 anos de prisão, além da pena relativa à violência usada.

Para a suposta trama criminosa, a PF apontou seis núcleos que disseminavam “a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e, eventualmente, legitimar uma intervenção das Forças Armadas, com abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em dinâmica de verdadeira milícia digital”.

  • 1. Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral

Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.

  • 2. Núcleo responsável por incitar militares à aderirem ao golpe de Estado

Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a “audiência” militar.

  • 3. Núcleo jurídico

Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado.

  • 4. Núcleo operacional de apoio às ações golpistas

Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.

  • 5. Núcleo de inteligência paralela

Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do STF Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de golpe de Estado.

  • 6. Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos

Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.

PGR respaldou relatório da PF contra Bolsonaro e ministros

Todas as alegações da PF foram referendadas pela PGR, que enviou um parecer ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ele decretou 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão. Entre elas, estão a proibição de manter contato com os demais investigados, suspensão do exercício de funções públicas e proibição de deixar o País.

Estes são os principais argumentos apresentados pela PF:

  • Bolsonaro efetivamente participou e não apenas ouviu falar sobre um plano de tentativa de golpe. Ele sabia de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder. O então presidente da República discutiu o teor da chamada “minuta do golpe” e pediu ajustes.
  • A versão inicial previa a prisão dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mas Bolsonaro pediu que os nomes de Pacheco e Gilmar fossem retirados, mas exigiu a manutenção do trecho que previa a realização de novas eleições.
  • Com as mudanças no texto original da minuta, Bolsonaro convocou generais e comandantes das Forças Armadas. Ele apresentou a minuta e pressionou os oficiais para aderir ao golpe. Apenas o comandante da Marinha colocou a tropa à disposição, segundo a PF.
  • Militares da ativa pressionaram colegas contrários ao golpe para tentar convencê-los a aderir ao movimento. Em uma das conversas recuperadas pela PF, o general Braga Netto, então ministro da Defesa, chamou o comandante do Exército, general Freire Gomes, de “cagão”.
  • Oficiais do Exército organizaram manifestações contra o resultado das eleições e atuaram para garantir que os manifestantes tivessem segurança. O movimento incluiu o acampamento em frente aos quartéis, onde, de acordo com a PF, militares ensinaram táticas de guerrilhas a civis.
  • O grupo mais próximo de Bolsonaro, incluindo ministros civis e militares, monitorou os passos de Alexandre de Moraes, tocando informações sobre a agenda do ministro do STF. Esse núcleo da “organização criminosa” era comandado pelo ex-assessor especial de Bolsonaro Marcelo Câmara.
  • A intenção do monitoramento era garantir a prisão de Moraes, caso o golpe militar fosse concluído. Segundo as investigações, Marcelo Câmara tinha o “itinerário exato de deslocamento do ministro” nas semanas finais de dezembro de 2022.
  • Em dezembro de 2022, o então chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada e disse que colocaria as tropas especiais nas ruas se ele publicasse a minuta do golpe.
  • Os mais fiéis aliados de Bolsonaro, como Mauro Cid, seu ajudante de ordens, ajudaram a articular e financiar os atos que levaram à invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Mensagens recuperadas pela PF mostram Cid dando orientações e oferecendo R$ 100 mil a uma major do Exército para ajudar na organização dos atos em Brasília.
  • O PL, partido de Bolsonaro, foi usado para financiar narrativas que atacavam as urnas eletrônicas. O partido contratou um instituto para elaborar um estudo questionando o resultado da eleição. Na sede da legenda, os policiais encontraram um documento para decretação do estado de sítio.
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