Lisboa — Aos 86 anos e vindo de uma cirurgia no intestino, realizada há quase dois meses, o papa Francisco sabe que precisará de muita disposição para cumprir a missão à qual se propôs durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que acontecerá entre 1º e 6 de agosto, em Portugal. Nas várias mensagens que tem enviado a religiosos de todo o mundo, ele tem pedido empenho redobrado para que o discurso de renovação da Igreja Católica seja visto como uma verdade, não como uma promessa que, passado o evento, cairá no esquecimento. Para Francisco, é importante que os quase 1,5 milhão de peregrinos que devem participar da Jornada se sintam parte de uma transformação baseada na caridade, na fraternidade e na solidariedade, com espaço de voz para todos, brancos, negros, índios, mulheres, gays e aqueles que professam alguma fé. Os jovens, acredita o pontífice, precisam voltar a sonhar e a lutar por seus sonhos.

A Igreja Católica tem perdido fiéis em todo o mundo. Em Portugal, não tem sido diferente. Nos últimos 10 anos, foram 240 mil fiéis a menos. Em contrapartida, puxado pelos brasileiros que emigraram para o país europeu, o total de protestantes/evangélicos saltou 147% no mesmo período e o de muçulmanos, 76%. No caso dos que dizem não ter religião, o crescimento foi de 101%.

Francisco tem a exata noção de que tal realidade reflete a insistência da Santa Sé em se prender aos dogmas do passado, que estão longe de representar a nova realidade da sociedade, muito mais diversa e com demandas mais objetivas, como a necessidade de ascensão social. A caridade à qual se presta a Igreja é bem-vinda, contudo, há o desejo de se ver representado na estrutura da Igreja — isso vale, principalmente, para os mais jovens.

Coordenador-geral da Jornada Mundial da Juventude, dom Américo Aguiar resume bem o mundo novo que se coloca diante da Igreja. “De nada adiantará a Jornada se, ao final dela, dissermos aos jovens: meus amigos, agora, venham para a missa de domingo”, afirma. “Precisamos ter capacidade de nos comunicarmos de forma diferente, não podemos ser tão curtos”, acrescenta.

Nos últimos 18 meses, o religioso, que será elevado à condição de cardeal em setembro próximo, percorreu Portugal inteiro e boa parte dos principais países católicos para traçar um perfil dos jovens de hoje. Ele conta que se surpreendeu com o que viu. Mesmo nas regiões mais remotas, a moçada está antenada. “Fui à Ilha das Flores, o ponto mais ocidental da Europa. O discurso dos jovens de lá era igualzinho aos dos jovens de grandes centros urbanos. Fiquei emocionado com o que vi e ouvi”, frisa.

Abusos sexuais

A mensagem do papa tem sido no sentido de que os jovens saiam em busca de seus sonhos e não vejam a vida passar pela janela. Mas dom Américo reconhece que é fundamental dar oportunidades reais para essa parcela da população. No entender dele, a conversa de que tudo é questão de mérito, ou seja, de que os escolhidos de Deus serão os vencedores, pode ser bonita, mas já não convence.

“Há jovens que vivem em situações geográficas, econômicas e sociais em que não há mérito que valha. Eles têm um superlativo de dificuldades que esmaga o que pode ser o mérito”, ressalta. “Mas são jovens com garra, com vontade de fazer diferente, a despeito de todas as dificuldades e problemas que tenham”, complementa.

Outro ponto importante observado por dom Américo: os jovens não frequentam permanentemente as missas dominicais nem se dizem pertencentes a movimentos A ou B. “São, porém, jovens que se sentem cativados pelo que diz o papa Francisco, com base no que veem na internet. Ou seja, o papa é um elemento atrativo para muitos jovens, que têm uma relação mais leve com a Igreja. Isso, independentemente se são universitários, não universitários, trabalhadores, com pouca qualificação, do interior ou dos centros urbanos. Estão cheios de esperança”, diz. “Tenho falado isso para os integrantes da Pastoral da Juventude. Há um grito por um modelo diferente de resposta da nossa parte”, enfatiza.

A busca pela reaproximação entre os mais jovens e o catolicismo passará pelo enfrentamento de um dos mais graves problemas do clero: os abusos sexuais. Recentemente, uma comissão de especialistas formada a pedido do comando da Igreja portuguesa desnudou uma série de crimes de pedofilia cometidos por religiosos. Apesar da exposição dos casos, ficou explícita a dificuldade de se punir os culpados. A conivência com as agressões a menores era uma constante. O papa, que tem falado abertamente sobre o assunto, se comprometeu a se encontrar com algumas das vítimas. No entanto, há dúvidas se realmente a agenda dele comportará esse tema que causa horror nos fiéis e tem contribuído para o afastamento deles das paróquias.

Francisco desembarcará em Lisboa em 2 de agosto, mesclando diplomacia e seu compromisso de estender as mãos aos mais desfavorecidos. Entre os cumprimentos às autoridades portuguesas e o banho de multidão com os jovens da Jornada, o pontífice visitará aquele que era considerado como o bairro mais perigoso da capital portuguesa, onde nem os policiais entravam: Serafina.

“A presença do papa entre nós será uma bênção”, tem dito o padre Francisco Crespo, 83 anos, que, em mais de cinco décadas de sacerdócio, ficará próximo de um chefe da Igreja Católica pela primeira vez. É dele todo o trabalho social executado há 40 anos e que mudou a cara de Serafina, atendendo mais de 700 pessoas com berçário, creche, jardim de infância, lar para idosos e centro de atendimento a jovens. “A igreja foi a última coisa que construímos”, afirma.

Erros de comunicação

O estudante Simão Araújo, 16 anos, morador de Lisboa, não esconde a ansiedade ante a oportunidade de estar em um evento com o papa Francisco. “Ele nos representa”, enfatiza. Para o adolescente, a Jornada Mundial da Juventude permitirá que jovens se reencontrem com a Igreja Católica, da qual muitos se afastaram por erros de comunicação do clero. “Sou, inclusive, favorável ao apoio que a Igreja recebeu do Estado português para que o evento fosse realizado”, frisa. “Inclusive, comprei um exemplar da Bíblia para que possa compreender melhor a palavra de Deus”, acrescenta, após conferir todos os detalhes do altar montado no Parque Tejo, numa região degradada da cidade, onde se dará o encerramento da Jornada.

Ao lado de Simão, o adolescente que se apresenta como Gil, 16, afirma que se considera um privilegiado por ter o papa em Lisboa, já que nunca teve a oportunidade de ir a Roma para vê-lo rezando uma missa na Basílica de São Pedro. “Espero que a Igreja mantenha as suas tradições, mas se aproxime dos mais jovens”, assinala ele, que assegura frequentar as missas quase todos os domingos. Se tivesse a oportunidade de se estar cara a cara com Francisco, o garoto afirma que só agradeceria por tudo o que o pontífice tem feito em favor do catolicismo e no apoio aos mais necessitados.

Integrante de um grupo de 38 pessoas que participarão da Jornada, a irmã Rachel, 27, brasileira do Pará, mas morando há cinco anos na Bélgica, conta que esta será a terceira vez que participará do encontro entre os jovens e a Igreja. A primeira foi há 10 anos, no Brasil. “A Jornada é uma experiência única, com a oportunidade de encontrar pessoas de todo mundo unidas pela fé”, destaca. Ela ressalta que a Igreja precisa ouvir mais os jovens e mudar a sua forma de se comunicar, pois falar com a juventude de hoje não é a mesma coisa que falar com esse público 100 anos atrás. “A linguagem passa por adaptações, mas a mensagem é a mesma: a de que Cristo deu a vida por nós”, afirma ela, que integra a missão Sementes do Verbo. 

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