Além de servir como estratégia das companhias para incentivar a redução das emissões de CO2, segmento gera oportunidade de negócios

Ao menos 2% da emissão de gases do efeito estufa no mundo vem da aviação. O segmento é campeão quando o assunto é ‘poluir muito em pouco tempo’. Enquanto alternativas com a SAF, o combustível sustentável da aviação, não engrenam, as companhias aéreas aderem ao mercado de carbono, onde é atribuído um valor monetário ao CO2 emitido. “Elas têm até um compromisso moral de incentivar reduções de emissões em outras cadeias de valor por meio da compra de crédito”, afirma Felipe Bittencourt, CEO da Way Carbon, empresa mineira que há 18 anos oferece serviços e produtos de gestão de sustentabilidade. No Brasil, entre as maiores companhias aéreas, a Gol e a Latam são adeptas às compensações neste mercado.

Desde 2021, a Gol oferece aos clientes a oportunidade de compensarem voluntariamente a pegada de carbono deixada por suas viagens por meio da iniciativa #MeuVooCompensa. De junho de 2021 até dezembro de 2023 foram compensadas 19.400 toneladas de CO2e, dióxido de carbono equivalente (medida internacional criada para unificar a representação de todos os gases do efeito estufa). Este montante equivale a 4.837 hectares de floresta nativa preservados por um ano, cerca de 5.863 campos de futebol no padrão FIFA.

Atualmente, a compensação dos voos da companhia são feitos por meio de uma parceria com a climatech Moss, criada em 2020. Para a operação são utilizados o MCO2 (Moss Carbon Credit), um token de utilidade. Cada tonelada de CO2 removido da atmosfera gera um crédito.

Ao menos sete projetos geram esses token “verdes” para a climatech Moss: Amazon Rio REDD+ IFM, Agrocortex, Ituxi, Jari, Florestal Santa Maria, Dori biomassa e Madre de Dios.

Cláudia Backes, diretora de operações da Moss, conta que todas as empresas são previamente submetidas a um processo de background check, ou seja: a verificação de antecedentes. “Além disso, todas as compras pela Moss de créditos de carbono provenientes de projetos de terceiros foram precedidas de rigorosa diligência tanto em relação às desenvolvedoras dos projetos quanto ao projeto em si”, explica.

Empresas que compram crédito simultâneamente poluem menos

Para Daniel Caiche, professor da pós-graduação em ESG e Sustentabilidade Corporativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), embora alguns críticos argumentem que o mercado de carbono pode ser interpretado como uma “licença para poluir”, a realidade é que ele é uma ferramenta essencial na luta contra as mudanças climáticas ao criar incentivos econômicos para a redução de CO2, estimulando a inovação em tecnologias limpas, projetos de soluções baseadas na natureza e promovendo a transição para uma economia de baixo carbono. “Embora não seja a única solução, o mercado de carbono desempenha um papel crucial ao complementar outras políticas de mitigação, oferecendo um caminho viável para reduzir o impacto negativo no meio ambiente enquanto impulsiona o crescimento econômico sustentável”, explica.

Segundo um relatório da consultoria internacional Sylvera, especializada na avaliação de projetos de carbono, empresas que compram crédito estão reduzindo simultaneamente suas emissões, em média, 6,2% por ano. Enquanto aquelas que não usam créditos cortam menos, cerca de 3,4% anualmente. O levantamento foi feito com base nos dados das 102 maiores companhias do mundo, de setores variados, como aviação, energia e telecomunicações, entre 2013 e 2021.

O Acordo de Paris, firmado em 2015 por 192 países, estabeleceu as regras para o mercado internacional de carbono, mas só deve entrar em vigor por volta de 2030, quando as nações alcançarem as metas de gases do efeito estufa.

Atualmente, não há no Brasil uma regulamentação federal de todas as atividades do mercado de carbono. Mas foi aprovado na Câmara, em dezembro do ano passado, o projeto de lei 2148/15, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que estabelece tetos para emissões e estabelece um mercado de venda de títulos. Agora, ele tramita no Senado.

Enquanto o PL não é aprovado, o que determina as negociações brasileiras é a operação voluntária, onde empresas e indivíduos compram créditos por responsabilidade social corporativa ou ambiental.

Segundo um relatório de 2022 da Câmara de Comércio Internacional (ICC) e a Way Carbon, com o mercado de carbono o Brasil pode ganhar até US$ 120 bilhões em receitas até 2030. A projeção é que o país tem potencial de suprir até 28% da demanda global do mercado regulado e 48,7% do mercado voluntário. Minas lidera o ranking de Estados com maior número de iniciativas (21), seguida por São Paulo (20).

Segundo Felipe Bittencourt, CEO da Way Carbon, o comportamento das empresas no mercado de “compensação de carbono” mudou após muitas corporações começarem a ser acusadas de promover o “greenwash”, maquiar-se de verde, ou seja: enganar os consumidores com selos e certificações socioambientais que não condizem com a verdade. “Antigamente, uma empresa que não fazia nada internamente comprava o crédito de carbono e falava ‘eu sou neutro’. Hoje o público está muito mais crítico. Primeiro, ela precisa fazer o dever de casa, ter metas [reais] de redução de emissão”, explica.

Bittencourt diz que o último ano foi bem atípico, de incertezas, onde os valores médios do mercado e os volumes transacionados também caíram substancialmente. Este cenário é reflexo das denúncias envolvendo projetos, que não estariam efetivamente gerando impacto socioambiental. Neste ano, já houve iniciativa sendo acusada de trabalho análogo à escravidão e denúncias de projetos por grilagem de terra no Pará.

Para o CEO da Way Carbon, o mercado de carbono não é a solução para a mudança de clima, mas é uma das várias possibilidades. “O mundo precisa apostar em várias frentes para ter escala e mais chance de combater o aquecimento global”, explica.

Salve o Cerrado

Paulo Roberto Guerra Bellonia, diretor presidente do projeto mineiro Savecerrado
Paulo Roberto Guerra Bellonia, diretor presidente do projeto mineiro Savecerrado. Foto: Savecerrado/Divulgação

A floresta de pé é hoje um ativo financeiro no mercado de carbono. E, neste cenário, a Amazônia é a grande aposta das empresas porque para entrar no negócio é preciso ter escala, explica Felipe Bittencourt, CEO da Way Carbon. “O crédito de carbono tem a ver com a pressão do desmatamento. [..]  Se eu não gerar um incentivo econômico, aquela floresta vai ser desmatada”, complementa o CEO.

Apesar dos focos estarem concentrados na Amazônia, recentemente os olhos do mercado de carbono se voltaram para o Cerrado, o bioma mais devastado de 2023. O projeto Savecerrado, por exemplo foi criado em 2017 para promover ações de recuperação e preservação de uma área de mais de 180 milhões de m², na região de Bonito de Minas (MG).

A partir de R$ 500 mensais, empresas de pequeno, médio e grande porte podem apoiar a iniciativa. “A gente entende que somos todos responsáveis [pelo aquecimento global]. As companhias aéreas não são vilãs sozinhas. Eu uso carro, avião… Todo mundo tem que se envolver”, explica Paulo Roberto Guerra Bellonia, diretor presidente do projeto.

A meta do Savecerrado é alcançar mil empresas apoiadoras neste ano. Atualmente, este número não chega a 30. “No segundo semestre do ano passado, houve uma velocidade grande de procura”, diz Bellonia, explicando que o objetivo está dentro da realidade.

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