Estudo do Ipea revelou que setores beneficiados com a medida reduziram número de empregados no Brasil

O governo federal revogou a reoneração gradual da folha de pagamento de 17 setores da economia, prevista em uma Medida Provisória editada no final do ano passado e anunciou que vai enviar um novo projeto de lei sobre o tema em caráter de urgência. O passo atrás foi uma forma de reverter a rejeição do Congresso, que se posicionou a favor da manutenção dos benefícios. Só em 2023, cerca de R$ 16 bilhões deixaram de entrar nos cofres públicos devido à queda na arrecadação do tributo, mas representantes dos setores contemplados defendem que a desoneração impacta 8,9 milhões de empregos formais.

Para Edson Domingues, professor do departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa política não gerou efetivamente nenhum emprego adicional. “Muitos setores que têm essa desoneração de folha foram os que mais desempregaram no período. É o contrário! Não houve nenhum comprometimento setorial ou acordo para que isso ocorresse. Faz todo sentido acabar com essa política já que estamos indo agora para uma reforma tributária ampla, com uma situação homogênea para todos”, analisa.

Segundo o estudo “Os setores que mais (des) empregam no Brasil”, divulgado no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2012 a 2022, os 17 segmentos beneficiados com a desoneração reduziram sua participação na população ocupada (de 20,1% para 19,9%), entre os ocupados com contribuição previdenciária (de 17,9% para 16,2%) e entre os empregados com carteira assinada do setor privado (de 22,4% para 19,7%).

Para Domingues, não há risco de demissões nestes setores, caso ocorra a reoneração. Segundo ele, a pressão do grupo pela manutenção do benefício é motivada pela grande lucratividade que essas empresas têm ao pagar menos tributos. “Como são setores em que a mão de obra é essencial para o seu funcionamento, eles não vão demitir significativamente o quadro de pessoal, assim como quando eles ganharam [o benefício], não contrataram”, considera.

Para Fernando de Holanda Barbosa Filho, professor e pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), a relação custo x benefício da desoneração foi ruim. “A gente não viu essa geração de milhões de empregos que eles falam. Como é muito recurso para pouco emprego, o que acontece é que as empresas aumentam o caixa delas”, afirma.

O pesquisador critica ainda a ausência de avaliação das políticas propostas e desenvolvidas no Brasil. “Se o governo avaliasse sistematicamente, a desoneração da folha já seria abandonada”, diz.

Apesar da observação, o pesquisador pondera que é inegável o custo do trabalho formal no Brasil. A solução, para Barbosa, é discutir uma reforma trabalhista onde se debata as despesas e benefícios. “Isso seria uma medida horizontal, que incluiria todos os setores, não somente alguns. Mas, obviamente, isso demanda um esforço político de compreensão entre os agentes. E eu não vejo essa negociação no radar”, explica.

Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e advogado tributarista Flávio Couto Bernardes, o sistema de tributação de folha de salários no Brasil deveria ser modificado, adotando o paradigma de diversos países, do Mercosul e da Europa, para estimular a geração de empregos e minimizar o problema da competitividade dos produtos e serviços brasileiros no exterior, já que esta tributação não é retirada na exportação dos produtos. “A alíquota das diversas contribuições incidentes sobre a remuneração de trabalhadores, no Brasil, é extremamente elevada, considerada das maiores do mundo. Logo, estes segmentos que possuem maior volume de contratação de mão-de-obra, sofrem o impacto, sendo beneficiados com a redução ou prejudicados com a incidência normal”, critica.

INSS patronal: entenda o que é desonerado para 17 setores

No Brasil, toda empresa deve pagar ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) um imposto de 20% sobre a folha de pagamento do empregado. Na prática, esta contribuição patronal custeia benefícios como a aposentadoria. Logo, se a empresa paga R$ 30 mil em salários, deve repassar R$ 6 mil ao governo.

Com a desoneração, 17 setores não têm sua contribuição social calculada por essa base, mas sim apurada de acordo com o faturamento da empresa. Estas alíquotas variam entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta, dependendo do setor.

Criada durante o governo Dilma sob a justificativa de gerar mais empregos, a desoneração da folha deveria ter acabado em 2020, mas foi prorrogada sucessivas vezes devido à pandemia e, desta vez, após ser barrada pelo presidente Lula, sofreu resistência do Congresso, que defendeu a manutenção do benefício.

Edson Domingues, professor da UFMG, lembra que o país tem uma série de necessidades orçamentárias para custear recursos aos sistema de saúde, educação e infraestrutura, que são custeadas pelos impostos e que, na situação atual do Brasil não é possível pensar em reduzir a arrecadação. “Se todo mundo pagasse [o tributo] igual, todo mundo pagaria menos. Quando você dá isenção para um conjunto de 17 setores, o resto vai ter que pagar”, analisa.

Veja quais setores são beneficiados com a desoneração em folha:

  • Confecção e vestuário
  • Calçados
  • Construção civil
  • Call center
  • Comunicação
  • Empresas de construção e obras de infraestrutura
  • Couro
  • Fabricação de veículos e carroçarias
  • Máquinas e equipamentos
  • Proteína animal
  • Têxtil
  • Tecnologia da informação (TI)
  • Tecnologia de comunicação (TIC)
  • Projeto de circuitos integrados
  • Transporte metroferroviário de passageiros
  • Transporte rodoviário coletivo
  • Transporte rodoviário de cargas
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