O surgimento das emendas impositivas individuais, aquelas que são apresentadas pelos parlamentares e que o governo é obrigado a cumprir, provocou uma mudança nas relações entre Executivos e Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Isso porque, com a obrigação do governo de liberar verbas indicadas nas emendas, o Executivo perdeu parte do poder que tinha para “cobrar” dos parlamentares a aprovação de matérias de seu interesse. Antes, era comum a liberação de grandes somas às vésperas de votações importantes para o governo. A realidade agora é outra, com o dinheiro sendo repassado automaticamente.

Em Minas Gerais, são previstos para 2023 a aplicação de, no mínimo, R$ 1,2 bilhão em emendas impositivas. O valor é cerca de 20% maior do que o mínimo estabelecido em 2022, quando o Estado previu R$ 1 bilhão. 

É uma novidade que enfraquece o Poder Executivo e torna mais difícil as negociações de pautas no Poder Legislativo, destaca o professor e cientista político Manoel Leonardo Duarte Santos, da UFMG. “O Executivo precisa do Legislativo para governar, faz parte do presidencialismo. O presidente, o governador ou o prefeito não conseguem governar de costas para o Parlamento. Todos os que fizeram isso caíram”, avalia Santos. 

O professor ainda destaca que é preciso haver uma tentativa de coalizão. “É uma mudança gradativa que tem ocorrido nos Legislativos brasileiros pelo menos desde 2002, quando o poder do presidente para governar via medida provisória foi limitado. De lá para cá, o poder do Legislativo vem aumentando”, afirma. 

Em Minas ocorre a mesma situação. “Enquanto o governador Romeu Zema (Novo) não mostrou disponibilidade de formar uma coalizão, não conseguiu pautar a Assembleia. Zema é um governador que não mostra disponibilidade de negociação constante, e isso tem prejudicado o andamento de pautas. O caso do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) é o maior exemplo dessa dificuldade”, destaca.

O líder do governo na Assembleia, João Magalhães (MDB), concorda com a análise. “O deputado não precisa ficar mais com ‘pires na mão’ pedindo emendas. Hoje, com as redes sociais, os deputados estão mais conectados. Votando mais com sua consciência, matéria a matéria, a cada tema. É o caso do RRF. Tem alternativa? Não tem. É isso que nós temos que mostrar para os deputados”, explica Magalhães.

O segundo vice-presidente da Assembleia, Duarte Bechir (PSD), acredita que as emendas se tornam um problema maior por causa do perfil do atual governo. “Zema elegeu-se sem ter feito base no Legislativo. Isso com certeza dificulta e muito a relação. Quando (Fernando) Pimentel se elegeu, logo após as eleições seu grupo político se organizou e não permitiu fortalecer as emendas. Agora é um novo momento que vivemos no parlamento”, diz Bechir.

As emendas impositivas significam dinheiro previsto no Orçamento para obras e projetos indicados pelos 77 deputados, individualmente, ou por bloco parlamentar, cuja execução o governo não pode se recusar a cumprir. Ou seja, se um deputado determina a construção de uma quadra esportiva em uma cidade, o governo é obrigado a liberar os recursos, mesmo que não seja prioridade.

O deputado Lucas Lasmar (Rede) destaca a importância das emendas para atender as bases eleitorais. “Como o deputado pode cumprir seu compromisso com eleitores que desejam melhorias em suas cidades? E, ao mesmo tempo, como pode manter sua independência na alocação de recursos, em face do chefe do Executivo e suas próprias ideologias?”, questiona Lasmar.

Regras começaram a mudar em 2015 

As emendas de parlamentares sempre existiram. Mas, em 2015, a Câmara dos Deputados tornou obrigatória a execução das propostas estabelecidas pelos deputados no Orçamento previsto para o ano seguinte: era o chamado Orçamento impositivo. Metade do montante dessas emendas precisava ser destinado à saúde. 

Em 2019, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e tornou obrigatória também a execução das emendas do relator geral do Orçamento e das Comissões Permanentes, que passou a ser conhecido como “Orçamento secreto”, pois ninguém sabia quem era o autor de cada emenda.

No fim de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou regras para dar mais clareza ao Orçamento e a existência de emendas impositivas passou a vigorar em vários Estados e municípios, seguindo o modelo do Congresso Nacional. Em Minas, as emendas impositivas começaram em 2019. Em abril deste ano, os deputados tiveram um aumento progressivo para as emendas individuais impositivas. Atualmente, elas equivalem a 1% da receita líquida do Orçamento do Estado.

Para o Orçamento de 2024, esse percentual sobe para 1,5% e chega a 2% em 2025, dobrando o valor disponível aos parlamentares para agradar suas bases, independentemente da vontade do governo.

Para o cientista político Adriano Cerqueira, as mudanças na lógica política provocadas pelas emendas não podem mais ser desfeitas, e os governantes terão que se adequar à nova realidade. “A grande questão é a necessidade de definir a natureza desse gasto e qualificar os tipos de emendas que podem ser enquadradas entre as impositivas”, afirma Cerqueira.

Minorias acabaram beneficiadas

As emendas parlamentares são instrumentos importantes para a independência e o equilíbrio entre os Poderes, mas podem comprometer a articulação de pautas importantes para o Executivo, destaca o professor de ciências políticas Adriano Cerqueira. 

“(Emenda impositiva) dificulta bastante as negociações. Antes era uma decisão do Executivo, os parlamentares apenas sugeriam, mas o Executivo privilegiava sua base de apoio partidário e a oposição tinha que brigar muito para ter acesso a este tipo de recurso”, destaca.

O líder da minoria na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Jean Freire (PT), não vê as emendas impositivas como um “problema” e acredita que elas fomentam o debate sobre os temas que realmente importam para a população. “Como nós, parlamentares, estamos mais próximos dos municípios, conseguimos contemplar ações que, muitas vezes, não são contempladas pelo Estado”, pondera Freire. 

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