Contrariando o senso comum, o ser humano é marcado pela diversidade. Estima-se que, no Brasil, 4 milhões de pessoas sejam transgêneras ou não binárias, conforme dados do Banco Mundial, e parte dessa população se reconhece como mulher, vivendo os desafios de ter a identidade de gênero diferente daquela atribuída ao nascimento. Um caminho que, muitas vezes, é marcado pelo estigma e pelo preconceito, mas que conta com reconhecimento institucional e, até mesmo, uma Política Nacional de Saúde Integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

No mês internacional das mulheres, nada mais apropriado do que abordar a cobertura de atendimentos oferecidos para aquelas que lutam pelo respeito à sua condição de mulher. O combate ao preconceito e à desigualdade de gênero estão entre as prioridades da nova gestão do Ministério da Saúde, uma vez que o debate é frequente entre técnicos e especialistas e o governo federal tem aberto oportunidades para participação popular, o que fortalece a pauta.

Inicialmente, o SUS incorporava essas usuárias somente com a política de prevenção e tratamento a Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), entretanto, ainda na primeira década dos anos 2000, especialistas em saúde pública trabalharam para essa mudança de paradigma, como explica a Coordenação-Geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde. Com a edição da portaria GM/MS nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, a pasta redefiniu e ampliou a cobertura do SUS para essa população.

O regramento prevê a habilitação de estabelecimentos de saúde na modalidade ambulatorial e hospitalar, garantindo a integralidade do cuidado para as pessoas trans. Os serviços ambulatoriais devem oferecer acompanhamento clínico, pré e pós-operatório, além da hormonização, realizados por uma equipe multiprofissional. Mais tarde, a portaria GM/MS nº 4.700, de 29 de dezembro de 2022 alterou os critérios para a cirurgia de redesignação sexual e construção da neovagina. “Para passar pela intervenção há critérios, é preciso ter mais de 21 anos e ter passado pelo acompanhamento clínico e hormonal por dois anos, sendo que esse último é autorizado no SUS a partir dos 18 anos de idade”, explica a Coordenação-Geral de Atenção Especializada.

Embora a cobertura compreenda as diferentes necessidades das pacientes, a oferta é deficitária por múltiplos fatores. Atualmente há 12 estabelecimentos de saúde habilitados pelo Ministério da Saúde para esse tipo de atendimento. Desses, somente cinco são habilitados na modalidade hospitalar. Cabe aos gestores estaduais e municipais o planejamento para a estruturação da rede na atenção, credenciando os estabelecimentos de saúde, pactuando na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) a habilitação do estabelecimento para que possam formalizar a solicitação ao Ministério da Saúde. Além da necessidade dos estados, no último quadriênio, a atenção da população das mulheres trans e travestis não foi prioridade na política de governo.

Para Bruna Ravena, 36 anos, militante do movimento trans e integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), apesar dos desafios, o atendimento do SUS é fundamental. “Como usuária do sistema, já fui tratada com muita dignidade e respeito, mas também existe uma resistência no atendimento para muitas de nós na área ambulatorial. Principalmente quando o serviço é terceirizado”, relata. Mesmo sem ter passado pela cirurgia de redesignação, Bruna conhece as adversidades e acredita que são necessários mais investimentos na formação dos trabalhadores da saúde, principalmente os terceirizados, que muitas vezes não sabem como proceder adequadamente quanto ao uso do nome social e o respectivo pronome de tratamento.

Outro gargalo que Bruna aponta é o aumento da fila de mulheres trans e travestis aguardando acesso aos serviços especializados em virtude da pandemia de Covid-19. “Muitas vezes as mulheres travestis e transexuais fazem o uso de hormônios por indicação de outras trans, sem saber a quantidade e o teor adequado para administração, por exemplo. Muitas acabam fazendo uma abordagem com materiais intrusos, como silicone industrial, o que prejudica a saúde”, diz.

Opinião corroborada por Bianca Lopes Rosa, 37 anos, servidora pública de Goiás, atendida pelo SUS e que fez a cirurgia de redesignação sexual. “Até chegar na equipe especializada do processo transexualizador foi bem difícil, mas depois que fui acolhida, passei a ser acompanhada e foram só experiências boas. Apesar da política do processo transexualizador ainda estar limitada, quanto ao acesso de pessoas trans/travesti, continuo acreditando que o SUS é a melhor opção, pois se concebe a saúde em um espectro ampliado de um sistema de garantias de direitos fundamentais”, enfatiza a servidora.

Juliana Oliveira
Ministério da Saúde

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