A lista de riscos que o cigarro oferece a saúde parece não ter fim. Além disso, ele tem um cheiro marcante e uma fumaça que incomoda, mas mesmo assim ainda existe muita gente que começa ou continua a fumar: de acordo com a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2018, 9,3% dos brasileiros com 18 anos ou mais são fumantes. Além da dependência química, o que ainda mantém tantos cigarros acesos?

Antes de qualquer coisa, é preciso entender como o cigarro age no corpo humano. Segundo o Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), a nicotina inalada na fumaça do cigarro chega ao cérebro em um curto período de tempo – aproximadamente 10 segundos – onde alimenta os receptores das células cerebrais capazes de reconhecê-la.

Nesse exato momento são liberados os neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer. Por ser uma substância psicoativa, a nicotina produz alterações no Sistema Nervoso Central que modificam o estado emocional e comportamental do fumante. É exatamente por isso que ela é a responsável pela dependência química.

Por que as pessoas começam a fumar?

Segundo Beatriz Ávila, psicóloga residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso do Hospital Universitário de Aracaju (SE), vinculado à Rede EBSERH, o tabagismo tem determinantes multifatoriais. Isso quer dizer que podem ser de ordem hereditária, fisiológica, ambiental e psicológica.

A maioria dos fumantes acendem o primeiro cigarro por curiosidade e de forma recreativa. O cigarro está muito associado aos lugares e situações que as pessoas buscam para se divertir. Nesse aspecto, a influência dos amigos, ídolos e pessoas próximas exercem um grande poder.

É importante destacar também que o preço baixo e o fácil acesso favorecem esse processo de descoberta do tabaco. E, apesar da publicidade ser proibida no Brasil, a indústria ainda possui estratégias indiretas para atrair novos consumidores.   

Essa busca por novidades, motivada pela curiosidade, é uma característica ainda mais predominante entre os adolescentes. Não é difícil encontrar fumantes que conheceram o cigarro antes dos vinte anos. Essa é justamente a fase da vida em que o jovem está construindo sua identidade, buscando pertencimento e, claro, vivendo um processo de descobertas.

Beatriz afirma que, nesta busca por aceitação social, o adolescente interage com outros indivíduos e, ao ser apresentado ao cigarro, fica exposto à influência dos pares, à necessidade de autoafirmação e busca por prazer imediato.

Ela lembra ainda que é comum que as pessoas, ao iniciarem o uso do cigarro, acreditam que são capazes de manter o controle sobre seu uso, da frequência à quantidade. Esse é o “pensamento mágico”: a crença das pessoas de que não irão sofrer as consequências de seus atos, estando imunes a eles.

Por fim, vale lembrar também que a população em geral não trata o tabagismo como doença causada pela dependência química. A preocupação gira em torno das drogas consideradas “mais pesadas”, enquanto que o uso do cigarro costuma ser relevado.

Meu vício, meu refúgio

Pouco se fala sobre a dependência psicológica, mas ela tem uma participação importante na vida de quem fuma e atua de forma bem complexa. Está relacionada à função que o vício exerce na vida da pessoa.

Essa sensação atribui ao cigarro a capacidade de oferecer ao fumante um momento de relaxamento. Desse modo, ele se torna a alternativa mais imediata para escapar de emoções desagradáveis. “É mais fácil ter as emoções negativas ‘anestesiadas‘ enquanto fuma do que ter que lidar com a realidade delas e suas causas, pois isso pode gerar algum tipo de sofrimento psíquico”, explica a psicóloga.

Nesse contexto, o tabagismo funciona como “auto-medicação” e contribui para a formação de um ciclo vicioso, uma vez que o problema que causa a emoção negativa não está sendo resolvido, apenas disfarçado.

É possível perceber que o cigarro surge em distintas situações, boas e ruins, e o fumante cria um vínculo com ele, passando a enxergá-lo como algo familiar e confortável. Essas atribuições podem variar de acordo com o contexto, experiência e história de vida de cada pessoa.

No fim das contas, o prazer de fumar vai sendo relacionado a situações do dia a dia e o fumante passa a fazer associações. É muito comum acender um cigarro em uma mesa de bar ou ao beber um café, por exemplo. O hábito de fumar é uma associação entre a dependência física e o comportamento do fumante, sendo possível até observar situações que se tornam gatilhos. 

Dentre as motivações psicológicas, Beatriz destaca que, apesar de não ser uma regra geral, são comuns a percepção de isolamento social, sentimentos constantes de tristeza, desânimo e experiências estressantes frequentes, assim como a ansiedade e a impulsividade. O cigarro torna-se a válvula de escape para a vivência de situações desagradáveis, tornando-as mais toleráveis.

A psicóloga destaca ainda que estudos mostram que os fumantes apresentam índices consideráveis de ansiedade e depressão, e usam o cigarro como estratégia de fuga dessas emoções. Ainda segundo as pesquisas, existe uma relação entre a existência de algum transtorno mental prévio e o tabagismo, especialmente os de ansiedade e de humor, por exemplo.

Aprendendo a dizer adeus

Para o tratamento, Beatriz afirma que é importante que o profissional de saúde conheça o cotidiano do paciente, seu contexto de vida, seu relacionamento social, a existência dos problemas físicos e psicológicos e o impacto do tabagismo no dia a dia. Desse modo, será possível identificar quais são os aspectos que o indivíduo tem e que fortalecem cada vez mais sua dependência ao cigarro.

“É interessante que o profissional de saúde trabalhe em conjunto com o fumante, para compreender o significado que ele atribui ao cigarro e busque estratégias, como habilidades comportamentais alternativas, para lidar com as situações rotineiramente desconfortáveis de modo menos danoso para sua saúde”, completa a psicóloga.

Tratamento pelo SUS – O Ministério da Saúde promove programas de acompanhamento de fumantes, com orientações sobre o uso do cigarro e suas consequências, métodos para cessação do tabagismo e para lidar com os sintomas de abstinência, além de apoio entre os participantes.

O programa dura seis meses, sendo realizadas reuniões semanais no primeiro mês, quinzenais no segundo mês e mensais do terceiro ao sexto mês. Beatriz conta que no hospital onde atua esse grupo está em atividade há quinze anos e é conduzido por profissionais do serviço social, enfermagem e psicologia, que podem oferecer uma assistência interdisciplinar.

Fonte: Ministério da Saúde

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