O uso controlado dessa substância ajuda no manejo da dor, mas ela deve ser prescrita por médicos habilitados.

A dor costuma ser um dos principais entraves do tratamento do câncer, mas os pacientes oncológicos também sofrem com outros efeitos colaterais causados pela quimio e radioterapia, como náuseas, vômitos, perda de apetite, ansiedade e depressão, o que piora a qualidade de vida do paciente.  

Para o manejo desses sintomas indesejáveis, o uso controlado de medicamentos opioides, como a morfina e seus derivados, costuma ser uma solução eficaz. Entretanto, nos últimos anos, a cannabis medicinal vem se popularizando e se tornando uma alternativa de terapia complementar para os pacientes.

Isso porque possuímos receptores canabinoides em nosso organismo que, quando ativados, atuam na interrupção da condução da dor e na inibição de substâncias inflamatórias, causando um efeito analgésico. 

“Hoje em dia já sabemos e temos diversas evidências clínicas de que o uso de cannabis no tratamento oncológico ajuda a controlar sintomas como náuseas, vômitos, ansiedade e tensão muscular, melhorando muito a qualidade de vida, a adesão, e a própria relação com a dor durante o tratamento”, avalia a dra. Fernanda Bono Fukushima, professora assistente da disciplina de Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Prática clínica

No Brasil, existem mais de 2 mil médicos prescritores de cannabis; em hospitais de ponta, como o Sírio-Libanês, em São Paulo, e hospitais universitários, como a Unesp, em Botucatu, o uso da cannabis já é uma realidade, e os pacientes têm acesso a tratamentos com medicamentos derivados de canabinoides, que ajudam no manejo e controle de sintomas. 

A dra. Paula Dall Stella, especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem e uma das pioneiras na prescrição de cannabis medicinal no Brasil, explica que, na maioria das vezes, a demanda pelo uso da substância vem do próprio paciente e não do médico prescritor.  

“Isso ocorre devido a um desconhecimento dos próprios médicos sobre o assunto. É preciso uma educação formal nesse sentido, até para saber o que funciona, o que não funciona, e também para aumentarmos a produção científica sobre o tema”, diz ela.

No Brasil, os canabinoides ainda não estão inseridos nas diretrizes de tratamento de câncer, por isso entram como adjuvantes, ou seja, de maneira complementar aos tratamentos convencionais, diferentemente do Canadá, que já tem em seus protocolos clínicos a utilização da substância para manejo da dor associada ao câncer. 

Nem sempre o médico prescritor será um oncologista, por isso é importante que o especialista que for fazer a recomendação do uso esteja alinhado com toda a equipe médica, para que não haja interação medicamentosa que atrapalhe a metabolização das substâncias quimioterápicas. 

“Basicamente, nós avaliamos quais substâncias podem ajudar aquele paciente e preparamos uma fórmula individualizada, pois existem diversos canabinoides na planta, além dos já conhecidos THC e CBD. Normalmente, esse paciente vai conseguir acesso a essa medicação por meio de ONGs, associações de pacientes, no próprio balcão de farmácia (há 19 produtos registrados em farmácias) ou via importação. Mas, de qualquer forma, já é uma realidade para muita gente”, explica a dra. Fernanda Fukushima. 

É importante destacar aqui que as associações de pacientes no Brasil, como a Abrace Esperança, localizada na Paraíba, realizam um importante trabalho de suporte àqueles que necessitam de tratamento com a cannabis medicinal, mas não têm condições de arcar com a importação do produto, que pode custar mais de R$ 2 mil por mês, já que essas instituições têm autorização da justiça brasileira para o cultivo da planta. 

Além de diminuir os efeitos colaterais induzidos pela quimioterapia, o uso de canabinoides vem mostrando uma possível redução no consumo de opioides durante o tratamento.

“Nos estudos pré-clínicos, feitos com animais, o uso de THC demonstrou uma redução de dose média de morfina de 3,6 vezes. Já a codeína [a redução] foi de 9,5 vezes. Isso é muito positivo, pois o uso de opioides apresenta riscos relacionados à tolerância progressiva e à possível adição, se não for feito de maneira adequada“, salienta a dra. Paula.

Há efeitos colaterais?

Apesar de ser uma planta que vem sendo bastante estudada nos últimos anos, é importante destacar que há efeitos colaterais que também devem ser levados em conta, por isso somente um médico consegue avaliar a dosagem correta, para que nenhum efeito colateral se destaque mais do que os benefícios que o uso pode trazer.

“Apesar de serem moléculas de baixa toxicidade, é preciso avaliar de maneira individual, pois entre os efeitos colaterais temos queda de pressão arterial, taquicardia, dor de cabeça. De qualquer maneira, não há registros médicos que relatam overdose por cannabis”, destaca a dra. Paula Dall Stella. 

É importante destacar ainda que muitas pessoas confundem cannabis medicinal com o uso recreativo de maconha, mas são coisas diferentes. 

“Muitos pacientes ficam eufóricos com o que encontram na internet e pensam que é só sair e comprar a maconha que é vendida nas ruas. Mas não é a mesma coisa por vários motivos, principalmente porque não sabemos a procedência do produto, e muitas vezes eles possuem um volume de THC muito maior”, alerta a dra. Fernanda.

Fonte: Drauzio Varella

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