Na semana em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid completou um mês, senadores relataram dificuldades de obter do governo federal documentos importantes para as investigações. Entre as demandas está um requerimento elaborado pelo governista Eduardo Girão (Podemos-CE), que pedia ao Planalto um levantamento das saídas do presidente Jair Bolsonaro que causaram aglomeração. Embora o Executivo utilize todo um aparato de segurança para os passeios do chefe do Planalto, a resposta foi que não havia esses registros. Por causa do drible, parlamentares pediram as imagens às emissoras de tevê. Na avaliação do relator do colegiado, Renan Calheiros (MDB-AL), apesar das dificuldades, os trabalhos seguem “além das expectativas”.

Segundo Calheiros, todas as vertentes abordadas pela CPI trouxeram informações relevantes. O senador abandonou a ideia de um relatório preliminar, pois isso dependerá de novas oitivas. “Se alguma coisa pode ser dita como antecipação, eu diria que já temos clareza absoluta, 100% de convicção, que muitas vidas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse adotado um comportamento público, com decisões lógicas em favor da ciência e da vida dos brasileiros”, analisou. “Se tivesse acontecido, muitas famílias não teriam perdido seus entes queridos. E muitas dessas mais de 450 mil mortes teriam sido evitadas.”

Na avaliação do relator, está cada vez mais patente que Bolsonaro optou pelo embate com outros Poderes e com governadores e preferiu a “imunidade de rebanho” em vez da vacinação. “O presidente da República, até na semana que passou, defendeu a imunidade de rebanho. Nunca priorizou a vacinação. O depoimento do doutor Dimas Covas (diretor do Instituto Butantan) comprova isso”, frisou. “Se juntarmos todas as ofertas de vacina recusadas, e já passam de 100 milhões de doses, teríamos evitado muitas dessas mortes”, acrescentou. De acordo com o relator, em 24 de junho, senadores ouvirão o Movimento Alerta, incumbido de fazer uma estimativa de vidas perdidas em decorrência da postura negacionista do governo.

O vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), lembrou que a CPI investiga a aquisição de vacinas por parte do governo e a existência do gabinete paralelo de combate à pandemia, que apostou na imunidade de rebanho.
Para ele, o grupo começou a agir em 24 de março de 2020, quando, em pronunciamento nacional, Bolsonaro tratou a Covid-19 como “gripezinha”. “A partir dali, houve uma fratura na sociedade e nos caminhos de enfrentamento da pandemia e se instalou um comando paralelo de enfrentamento à crise sanitária”, ressaltou. “E, baseado em declarações do presidente, o comitê paralelo trabalhava e apostava na estratégia da infecção de todos como alternativa para enfrentar a crise. O material probatório que se tem até agora, com os depoimentos que já foram colhidos, na minha percepção, levam a essa concepção.”

A base governista, por sua vez, adota discurso contrário. Na avaliação do número 1 da tropa de choque de Bolsonaro, Marcos Rogério (DEM-RO), o que se colheu até o momento com os depoimentos não demonstra culpa do Executivo. “Não verifico evidência de cometimento de crime por parte do governo federal. Uma coisa são as narrativas, outra são provas. Provas contra o presidente não há. Se quiserem condená-lo, terão de fabricar provas, pelo que foi apurado até agora”, enfatizou.
Na opinião dele, os depoimentos trouxeram muito mais “força de expressão” do que ofereceram provas e dados para “caracterizar cometimento de crime, conduta dolosa” por parte de Bolsonaro. “Não há como fazer esse tipo de afirmação”, defendeu. Ele também refutou a eventual convocação do chefe do Planalto. “Havendo crime, o instrumento não é a CPI. Qualquer coisa fora disso é teatro, cortina de fumaça”, destacou.

Governadores
Tanto Rogério quanto os demais integrantes da tropa de choque aguardam o depoimento de governadores, uma estratégia do grupo para dividir os holofotes da CPI com o governo federal. Um dos objetivos do colegiado é investigar a aplicação de recursos enviados pela União a estados e municípios para o enfrentamento da crise sanitária. “Os documentos estão chegando, depoimentos começarão e, aí, é uma outra análise que ficará um pouco mais para frente”, disse o parlamentar.
Titular da CPI, Otto Alencar (PSD-BA) disse que a aprovação da convocação de governadores para prestarem depoimento é uma demonstração de que a comissão tem uma atuação imparcial. Ele, no entanto, afirmou ver uma série de problemas na participação dos chefes de Executivo locais.


“Todos (os parlamentares) sabem que o Regimento Interno do Senado não admite convocar governador. Por quê? Porque numa CPI como essa, próxima a uma eleição, um senador candidato a governador, para constranger o atual gestor, o convoca. Então, o legislador, lá atrás, pensou nisso. O legislador sempre pensa no que pode acontecer adiante”, justificou. “Além disso, não tem respaldo constitucional. Na CPI do Cachoeira, Marcone Perillo (então governador de Goiás, do PSDB) foi ao Supremo Tribunal Federal, que determinou que ele não poderia ser convocado. Quem faz CPI para investigar governadores são as assembleias legislativas”, acrescentou.
A CPI da Covid tem duração prevista de mais 60 dias. Tanto Renan Calheiros quanto Randolfe Rodrigues afirmam ser cedo para debater eventual prorrogação. (Bruna Lima, Luiz Calcagno, Sarah Teófilo, Jorge Vasconcellos)

À espera do STF
Neste primeiro momento, a CPI chamou nove governadores, cujas gestões da pandemia estão sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (no caso do DF). Porém, na sexta-feira, gestores de 17 estados e da capital federal acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a convocação. O argumento é de que a comissão não tem competência para chamar autoridades estaduais. A responsabilidade seria das respectivas assembleias legislativas.
Habeas corpus
Em 2012, o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), conseguiu um habeas corpus do STF para impedir que fosse convocado para a CPI que investigava o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

G7 busca coesão
Na semana passada, pela primeira vez, o G7, grupo de senadores independentes e de oposição, se mostrou rachado na CPI. Isso porque a base governista conseguiu convocar governadores a depor graças a um acordo capitaneado pelo presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM). Na sessão de aprovação dos requerimentos, o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); o relator, Renan Calheiros (MDB-AL); e o titular Humberto Costa (PT-PE) disseram não ter firmado acordo nenhum. Hoje, o G7 tem uma reunião marcada para definir ações contra aliados do Planalto, que trabalham para confundir e impor obstáculos às investigações.

Acusações e blindagem
Veja destaques dos 10 depoimentos na CPI
1ª SEMANA
Luiz Henrique Mandetta denuncia gabinete paralelo
Ex-ministro da Saúde aponta a existência de um grupo responsável por prestar assessoramento paralelo ao presidente da República e influenciar em decisões divergentes às adotadas pelo Ministério da Saúde no combate à pandemia. Ele revela que houve, por parte de auxiliares do chefe do Planalto, tentativa de mudar da bula da cloroquina para incluir o tratamento de pacientes com o novo coronavírus.


Nelson Teich admite falta de autonomia Sucessor de Mandetta no ministério, o médico reafirmou revelações do ex-ocupante do cargo. Disse que havia pressão pela ampliação do uso da cloroquina e contou ter resolvido deixar o cargo porque não tinha autonomia para conduzir a pasta. Marcelo Queiroga blinda governo Como esperado de um atual ministro, o depoimento do cardiologista buscou blindar o presidente Jair Bolsonaro. Ele não fez oposição direta às aglomerações promovidas pelo mandatário ou ao incentivo a medicamentos sem eficácia comprovada e outras ações que vão de encontro às recomendações de autoridades internacionais de saúde.

2ª SEMANA
Antonio Barra Torres confirma ação pró-cloroquina
Diretor da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que o governo federal tinha a intenção de mudar a bula da cloroquina para que o medicamento pudesse ser indicado no tratamento de pacientes com Covid-19. Ele afirmou ter se posicionado totalmente contra a iniciativa. Fabio Wajngarten com inverdades e contradições. O ex-secretário de Comunicação da Presidência caiu em uma série de contradições e irritou senadores com respostas consideradas evasivas ou mentirosas. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a pedir a prisão dele, mas a proposta foi negada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). O ex-integrante do governo admitiu que carta da Pfizer oferecendo vacina foi enviada a Bolsonaro e a outras autoridades, mas ficou dois meses sem resposta.
Carlos Murillo relata reunião com Carlos Bolsonaro.

Presidente da Pfizer na América Latina afirmou que, em dezembro do ano passado, houve uma reunião entre a Pfizer e o então secretário Fabio Wajngarten, na qual compareceu o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do chefe do Planalto. Informação reforçou a tese da existência de gabinete paralelo de aconselhamento ao presidente. Murillo também revelou que a farmacêutica enviou uma carta a seis autoridades brasileiras e ficou sem resposta por dois meses. O Brasil perdeu, assim, a possibilidade de vacinas ainda em 2020.

3ª SEMANA
Ernesto Araújo culpa ex-ministro
Ex-ministro das Relações Exteriores jogou no colo do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello todas as decisões relativas à vacina, afirmando que atuava em apoio, mas que decisões e coordenação eram da pasta da Saúde. Afirmou que o presidente Jair Bolsonaro nunca lhe pediu para definir negociações por vacina. Eduardo Pazuello em dose dupla. O depoimento do ex-ministro da Saúde foi o mais aguardado e durou dois dias. Pazuello se saiu melhor do que se esperava, em respostas no sentido de blindar o presidente Jair Bolsonaro, mas tentando escapar de responsabilização. Entrou em contradição e disse uma série de inverdades. Por isso, foi reconvocado. A nova oitiva ainda será marcada.

4ª SEMANA
Mayra Pinheiro desmente Pazuello .Conhecida como Capitã Cloroquina, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde complicou a situação de Pazuello. Ela deu declarações reforçando que o ex-ministro soube da crise do oxigênio em Manaus antes da data informada por ele no depoimento ao colegiado. Dimas Covas acusa governo de atraso na vacinação.
Diretor do Instituto Butantan afirmou que a instituição fez uma oferta de 60 milhões de doses de vacina em julho, a serem entregues até dezembro, mas o governo não aceitou. A oferta foi repetida em agosto, também sem resposta positiva do Executivo. Covas disse, ainda, que em outubro, quando o presidente Jair Bolsonaro avisou que a “vacina chinesa de João Doria” não seria comprada, as negociações foram interrompidas.

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