TSE - Tribunal Superior Eleitoral Urna eletrônica

Lisboa — As eleições para a Presidência da República do Brasil se tornaram assunto obrigatório em Portugal. Não sem motivo. Além das relações históricas entre as duas nações, que sempre resultam em debates acalorados, o território luso assumiu o posto de segundo colégio eleitoral fora do país, desbancando o Japão e ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Pelos cálculos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 80.866 brasileiros estão aptos a votar em outubro próximo na terra de Cabral.

Isoladamente, Lisboa passou a ser o principal centro de votação de brasileiros entre 181 localidades no exterior, ultrapassando as norte-americanas Miami e Boston. A capital portuguesa tem 45.273 pessoas registradas para exercer o dever cívico de escolher o próximo presidente do Brasil. Outros 30.098 estão no Porto e 5.525, em Faro.

O crescimento do número de eleitores brasileiros em Portugal impressiona. Em relação a 2018, o total de votantes brasileiros em Lisboa aumentou 113%. No Porto, o salto foi de 110% e, em Faro, que fica na região do Algarve, de 52%. Esses números decorrem do avanço da imigração para o país europeu nos últimos quatro anos.

Pelos cálculos de Orlando Thomé, consultor em estratégica política, no conjunto, Portugal tem hoje mais eleitores brasileiros do que 80% dos municípios do país, todos com menos de 50 mil votantes cada. Ele acredita que o movimento de saída de cidadãos do Brasil para tentar a vida no exterior continuará acelerado nos próximos anos, seja quem for o presidente eleito em outubro. “Há uma desesperança em relação ao Brasil. São crises políticas e econômicas que se acumulam, e não há perspectivas de melhoras a curto e a médio prazos”, afirma.

Para André Rosa, cientista político, a migração de brasileiros para outros países vem aumentando desde 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff, quando o Brasil mergulhou em uma gravíssima recessão. Esse movimento, acrescenta ele, acelerou-se com a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. “Nos últimos quatro anos, a maior parte de migrantes foi de pessoas com bom nível financeiro e educacional. Esse pessoal foi atrás, sobretudo de segurança”, ressalta. “Mas, mesmo fora do país, essas pessoas fazem questão de votar. Por isso, o salto nos registros do TSE de eleitores no exterior”, emenda.

Desesperança

Tanto Thomé quanto Rosa dizem que a opção de brasileiros por se concentrarem em Portugal tem a ver com a facilidade da língua. Também há boas oportunidades de investimentos e de trabalho. O país europeu está carente de mão de obra, inclusive no setor público, cujos serviços estão à beira do colapso.

Não à toa, o presidente português sancionou, neste mês, as leis que flexibilizam a entrada de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Eles poderão tirar vistos com validade de até 180 dias para procurar trabalho em território luso.

Certamente, legalizados, esses brasileiros pleitearão o direito de votar no país de origem, ainda que distante dos problemas do dia a dia. “Nada impede que as pessoas que estão fora do Brasil continuem lutando por um país melhor, seja para um dia voltarem, seja para seus filhos e netos”, frisa Thomé.

Na avaliação de André Rosa, outros países tenderão a receber esses brasileiros descontentes. Há, por exemplo, os nômades digitais, que podem trabalhar de qualquer lugar. Esse pessoal não está muito disposto a continuar convivendo com os graves problemas do Brasil, como miséria, fome violência e intolerância.

Aumento também em outros países

Os números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que, além das cidades portuguesas, houve crescimento substancial no total de eleitores de três outras localidades: Paris ( 104%), na França; Dublin ( 465%), na Irlanda; e Nagoya ( 45%), no Japão. No geral, informa o TSE, 697.078 eleitores brasileiros no exterior estão aptos para votar nas próximas eleições. Trata-se de um crescimento de 39,2% em relação aos 500.727 de quatro anos atrás. Ante 2014 (354.184), o incremento foi de 97%.

Para se ter uma ideia do tamanho desse eleitorado no exterior, ele supera o número de votantes registrados no Acre (588.433), no Amapá (550.687) e em Roraima (366.240). Caso todos os imigrantes brasileiros se concentrassem em uma única cidade, ela ocuparia a 16ª posição entre as capitais brasileiras em número de eleitores, superando, por exemplo, Maceió (PI), Campo Grande (MS) e Teresina (PI). “Estamos longe de falar que os votantes que estão no exterior são suficientes para mudar uma eleição, mas é um público crescente e importante”, assinala André Rosa. 

Candidatos tentam cooptar eleitores

De olho no aumento substancial de eleitores fora do Brasil, grupos ligados aos dois principais candidatos à Presidência da República — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) — têm se movimentado para cooptar votos. A estrutura mais bem montada é a do petista, que conta com um diretório em Lisboa, com atividades frequentes nas ruas, tanto panfletando quanto promovendo comícios. O próximo, por sinal, está marcado para 10 de setembro, na Praça Dom Pedro IV (nosso Dom Pedro I), no Rossio.

Integrante do diretório petista, Pedro Prola defende em todos os seus discursos que o Brasil precisa se libertar de Bolsonaro e do atraso para o qual o país foi empurrado, e isso passa pela eleição de Lula. Essa posição é endossada, principalmente, por intelectuais que se fixaram em Portugal. O corpo a corpo com a militância vai se acentuar nos próximos dias, com o argumento de que é preciso garantir a vitória do petista ainda no primeiro turno.

Defensor da reeleição de Bolsonaro, Ricardo Amaral Pessôa, presidente da Associação Brasileira de Portugal e do Conselho de Cidadãos Brasileiros de Lisboa, conta que atos em favor do atual governante estão sendo organizados “para fazer prevalecer a verdade”. No entender dele, há um desconhecimento em relação às conquistas “obtidas pelo governo Bolsonaro”, que “enfrenta problemas acumulados de gestões anteriores”. Motoqueiro há mais de 46 anos, ele não descarta reunir “os barbas brancas” para uma manifestação nos próximos dias. “Agora que a campanha eleitoral é oficial, fica mais fácil”, afirma.

Pessôa ressalta que, em 2018, os eleitores brasileiros em Portugal responderam ao chamado e garantiram a vitória de Bolsonaro sobre o petista Fernando Haddad, com mais de 70% dos votos. Segundo registros do Tribunal Superior Eleitoral, além de Portugal, Bolsonaro venceu com boa margem nas cidades japonesas de Tóquio, Nagoya e Hamamatsu. Já Haddad liderou em Paris e Berlim, onde os votantes, em maioria, têm curso superior. Os petistas acreditam que os resultados deste ano serão diferentes na maior parte das 181 cidades no exterior onde terá votação. Eles garantem que a imagem do presidente é péssima mundo afora.

Temendo que a extrema polarização que se nota do Brasil se repita no exterior, os consulados brasileiros responsáveis pelas eleições fora do país vão reforçar a segurança das urnas eletrônicas e dos eleitores para evitar violência. As polícias locais estão sendo chamadas para montar esquemas especiais de atuação e, nos maiores colégios, como Portugal, seguranças privados serão contratados. A ordem é garantir a todos o direito de exercerem a cidadania.

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