Durante a campanha presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu diversidade no futuro governo e criou a expectativa de que aumente o número de indicações de mulheres para os cargos no primeiro, segundo e terceiro escalões da administração pública. A considerar a presença feminina na equipe de transição, tudo indica que a promessa será levada a sério: são 24, entre as quais se destacam a futura primeira-dama Janja, a jornalista Anielle Franco — irmã da vereadora assassinada Marielle Franco —, a chef e apresentadora Bela Gil e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Na comparação com o atual governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) está em clara desvantagem. Nesses quase quatro anos foram apenas três mulheres entre os 23 ministros — em grande parte brancos. As representantes femininas também eram brancas.

Porém, o segundo governo Lula (2006-2010) não foi muito diferente do de Bolsonaro: eram quatro mulheres em um total de 28 ministros. Tauá Lourenço Pires, coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil, questiona: está se olhando para a diversidade ou para a realidade?

“Durante o período de Lula, quantas mulheres foram ministras? E quantas eram negras? São pessoas muito localizadas em determinados lugares, não tinha isso de uma forma equilibrada. Nos nomes que estamos vendo, acho que é um olhar para a realidade. Temos um retrato do que é a sociedade brasileira”, observou.

Nos grupos de trabalho da transição, há a presença de diversas especialistas. Mas, segundo Hannah Maruci, mestre em Ciência Política e diretora da Tenda das Candidatas — projeto social que capacita mulheres para atuarem na política —, “não basta ser uma mulher estando ali se ela não olha para as questões estruturantes da sociedade”.

“É importante termos mulheres que se preocupem com a pauta feminina, mas também se preocupem com todos os outros temas de importância para o país. As pautas e a representação deve ser transversal a todas as áreas. Não adianta colocar separadamente o tema da mulher”, salienta. Hanna torce para que vários nomes das representantes na transição façam parte de próximo governo em postos de visibilidade.

Pretas

Na ampla frente formada para eleger Lula, uma das alianças mais importantes foi com as mulheres pretas. Entre os grupos marginalizados pela atenção governamental, esse é um dos que acumula mais demandas não atendidas pela sociedade. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) indica que 72% dos homicídios cometidos no país tem como alvo os negros — a cada 100 pessoas assassinadas, 78 têm a pele escura. Quando esse recorte é feito em relação ao gênero, chega-se a uma taxa de 62% de feminícidio e 70,7% de mortes violentas intencionais que tem como alvo a mulher preta.

Quase 28% da população são cidadãs que se encaixam nesse perfil. Especialistas são unânimes em dizer que para resolver o problema, é preciso que as soluções sejam dadas por quem é a principal vítima da violência estrutural.

O maior número de candidaturas de pessoas negras, considerado um marco histórico nestas eleições, não necessariamente significou aumento da representatividade no Legislativo. Tauá contabiliza que apenas 5% das eleitas em 2022 representarão a voz das negras no Parlamento.

“A gente está discutindo um avanço histórico pela primeira vez, mas, quando vemos o saldo, ainda tem muito para avançar. A gente está longe de ter um Congresso representativo. A desigualdade na política ainda é um gargalo que a gente precisa enfrentar e que está colocado para o Congresso. A meu ver, será um desafio para o novo governo também”, explica Tauá.

Isabella Ferreira, historiadora e membro do grupo de trabalho de Gênero do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), acredita que um legado que o futuro governo Lula pode deixar “é o de capacitação, de formação profunda que fortaleça e empodere elas. Além de promover oportunidades econômicas, com políticas que tragam geração de renda e alternativas para elas se sentirem donas da própria vida”.

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