Mercado de crédito de carbonos oferece oportunidades para o Brasil, mas precisa de uma regulamentação que está parada no Senado

Uma das principais apostas para o desenvolvimento sustentável no mundo, os créditos de carbono também podem impulsionar a economia de um país. No Brasil, ainda não há uma legislação definida para o tema, fazendo com que as empresas atuem no ramo de forma voluntária. Especialistas estimam que o país deve deixar de movimentar US$ 100 bilhões (cerca de R$ 530 bilhões) até 2030 caso uma legislação, que já tramita no Congresso Nacional, não seja aprovada.

Os créditos de carbono são utilizados como “moeda de troca” pelas grandes empresas no mundo. Cada tonelada de carbono emitida na atmosfera equivale a um crédito. As empresas que emitirem menos poluente do que limites estabelecidos (no caso, o Brasil não tem essa regulamentação) ganham crédito por tonelada. Indústrias, fábricas, ou outros setores que, devido à produção, ultrapassarem os limites estabelecidos da emissão dos chamados Gases do Efeito Estufa (GEE), podem adquirir os créditos como forma de contrapartida para o meio ambiente, sendo eles transformados em reflorestamento de áreas devastadas, projetos de energia renovável ou em outras maneiras de reduzir a poluição do ambiente.

Segundo dados divulgados em 2023 pelo Banco Mundial, são 70 iniciativas no mundo de mercados de créditos de carbono, entre regulados e voluntários. Cerca de 25% das emissões globais de carbono das indústrias geram um crédito de retorno, movimentando quase US$ 50 bilhões anualmente.

Atualmente, no Brasil, o mercado não é regulado. Há um Projeto de Lei (2148/2015) que, segundo Luís Márcio Alvim, advogado especialista em direito tributário, caso seja aprovado, pode facilitar o mercado no país. “Temos algumas diretrizes que tratam do crédito de carbono, mas sem regulamentá-lo. A legislação que está mais avançada é um PL que foi aprovado na Câmara dos Deputados. O projeto precisa ser aprovado o mais rápido possível. A ausência dela (da lei) traz uma série de problemas. Tínhamos a expectativa de que o Brasil movimentasse US$ 100 bilhões até 2030, mas sem o projeto (ser aprovado), isso fica comprometido”, explica.

O projeto já passou pela Comissão de Meio Ambiente no Senado, onde foi aprovado. Agora, ele aguarda ir a plenário para ser votado. (Entenda mais sobre o projeto logo abaixo). Alvim detalha que, com um projeto sólido regulamentando o mercado, também há a possibilidade de fiscalizar a venda dos créditos. “A legislação, além de criar uma regulamentação, cria o mercado regulado, que hoje não existe. Temos apenas o voluntário. Ela também traz uma série de regras, inclusive para impedir o greenwash em relação às iniciativas de descarbonização, ela também ajuda a evitar que a moeda de troca seja usada de forma incorreta”, conta.

Atualmente, os principais modelos de legislação são os europeus. Carlos Braga, professor da Fundação Dom Cabral, destaca que ainda há um caminho muito grande para o Brasil percorrer até alcançar as principais potências do mundo. “Aqui no Brasil, estamos no início da jornada. No acordo de Paris, em 2015, foi determinado que todos os países deveriam fazer igual a Europa, criar regras para que os maiores emissores tivessem que pagar alguma compensação comprando créditos de carbono. O Brasil espera por essa legislação por muitos anos, é um compromisso porque isso aumentaria os 25% que atualmente são retornados ao meio ambiente.”, explica.

“Se todos tivessem feito as regulações, estaríamos soltando fumaça por um lado e plantando árvores por outro”, completa Braga. Desde que o mercado foi criado, já foram movimentados quase US$ 1 trilhão em créditos de carbono no mundo.

As iniciativas reguladas são programas estabelecidos pelos governos que criam e gerenciam os mercados de carbono obrigatórios. Esses mercados estabelecem limites para as emissões de gases de efeito estufa para setores específicos ou para a economia como um todo. Empresas ou entidades reguladas que excedem esses limites devem comprar créditos de carbono de outras que emitiram menos do que sua cota, criando um mercado para a troca desses créditos. Já as voluntárias são feitas por organizações e indivíduos, que podem voluntariamente comprar e vender créditos de carbono para compensar suas emissões de gases de efeito estufa.

O professor aponta que os créditos são apenas uma parte da solução do problema, que é a crise ambiental que o mundo vive atualmente. “Precisamos de uma série de inovações. Plantar árvores não é só a solução. Precisamos do carro elétrico, diminuir o consumo, apostar no transporte público. Tudo isso pode ajudar”, diz.

A reportagem entrou em contato com várias das maiores indústrias que atuam em Minas Gerais e, como prova que o mercado de crédito de carbona ainda engatinha no Brasil, não conseguiu retornos sobre seus projetos. Única a responder à reportagem sobre o tema, antes do fechamento dessa matéria, a siderúrgica Aperam informou que, em março deste ano, iniciou um projeto de revenda de 15 mil toneladas de remoção de carbono. A empresa utiliza a biochar, que é uma substância semelhante ao carvão, que resulta do aquecimento de resíduos agrícolas ou florestais orgânicos, conhecidos como biomassa, sem oxigênio, para evitar a liberação de dióxido de carbono na atmosfera. “O biochar pode armazenar carbono por centenas ou até milhares de anos. Após uma auditoria independente, as empresas que produzem biochar podem obter certificados para serem vendidos no mercado voluntário de carbono”, disse a empresa, em nota.

Esses certificados vêm do biochar aplicado ao solo nas florestas plantadas localizadas no Vale do Jequitinhonha. São mantidos cerca de 100.000 hectares de florestas de eucalipto plantadas, que produzem o carvão utilizado na fabricação do aço da Aperam na usina siderúrgica da empresa localizada em Timóteo.

Greenwash e a venda irregular

Outro fator que envolve a venda do crédito de carbono é o greenwash, que é quando uma empresa faz falsas alegações sobre seus esforços ambientais e sustentáveis para criar uma imagem positiva e atraente aos consumidores.

A prática é considerada prejudicial tanto para o meio ambiente, quanto para a imagem das empresas. Nessa quarta-feira (5), a Polícia Federal deflagrou uma operação para desarticular uma organização criminosa suspeita de vender cerca de R$ 180 milhões em créditos de carbono de áreas da União invadidas ilegalmente.

Foram cumpridos cinco mandados de prisão preventiva e 76 mandados de busca e apreensão, nos estados de Rondônia, Amazonas, Mato Grosso, Paraná, Ceará e São Paulo. As investigações apontam que foram explorados ilegalmente mais de um milhão de metros cúbicos de madeira em tora, gerando um dano ambiental estimado em R$ 606 milhões. A operação também revelou que a organização obteve cerca de R$ 820 milhões em terras griladas.

O professor Carlos Braga explica que, como o mercado brasileiro não é regulado, existe a facilidade para as empresas burlarem as vendas dos créditos. “Se não está regulado, a empresa pode tomar a decisão de, ao invés de melhorar o processo produtivo, optar pela opção mais barata, que é comprar o crédito. O crédito deveria vir como complemento. A emissora fazer tudo o que puder para reduzir e, o impossível de reduzir por conta própria, é que vai usar o crédito de carbono, ajudando a fazer a compensação do que está sendo emitido e não está no preço. Ele é o primeiro passo”, diz Carlos.

Entenda o Projeto de Lei que tramita no Congresso

O PL estabelece limites nas emissões de gases do efeito estufa para as empresas. Quem mais polui deve compensar as emissões com a compra de títulos no mercado de carbono. Por outro lado, as empresas que não atingirem o teto de emissões recebem cotas que podem ser vendidas no mercado.

O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa com cerca de 2 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. O objetivo da proposta é criar incentivos para frear as emissões e os impactos climáticos das empresas.

A proposta também regula o mercado de títulos de compensação e geração de créditos por emissões de gases de efeito estufa. O mercado deve estar vinculado ao SBCE, desenvolvido em cinco fases ao longo de seis anos.

O sistema pode negociar cotas brasileiras de emissão (CBE) e certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE). Cada CBE ou CRVE representa uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). Assim, cada certificado de redução ou remoção permite cancelar uma cota de emissão de gases.

A ideia é que, após um tempo de adaptação, as atividades econômicas com mais dificuldades de reduzir emissões por processos tecnológicos comprem cotas e certificados que atestem a captação do que foi liberado na atmosfera, zerando a emissão líquida.
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