
É preciso ter uma razão muito boa para trabalhar no calor de um alto forno a uma hora de carro ao sul do Círculo Ártico. Mas há uma lógica econômica por trás do enorme complexo da siderúrgica Outokumpu finlandesa nesta pequena cidade. A sua linha de produção centrada no aço inoxidável explica como funcionam as cadeias globais de suprimentos – e por que a guerra comercial do presidente Donald Trump pode ser arrasadora.
A história da Outokumpu começa a centenas de metros em baixo de uma floresta na Lapônia, no interior de uma indústria labiríntica feita pelo homem. Recentemente, um mineiro, Kalle Kilpelanaho, empoleirado na cabine de uma máquina do tipo de um ‘tatuzão’ no interior de um túnel, manobrava uma alavanca que permite pilotar uma perfuratriz para cavar 20 metros na camada de rocha.
“Queremos o marrom escuro”, gritava Kilpelanaho por cima do barulho ensurdecedor da máquina, referindo-se à rocha pulverizada produzida pela perfuratriz. Marrom indica minério de cromo, o elemento que transforma o aço comum em aço inoxidável resistente à ferrugem. Ele faz brilhar o cesto que se agita no interior das lavadoras americanas ou tira a ferrugem dos carros.
A Outokumpu tem uma enorme reserva de minério de cromo. A descoberta do cobre no leste da Finlândia, há cem anos, e depois do crômio nesta região, nos anos 50 – em 2012 estimado em 100 milhões de toneladas no subsolo – tornou Outokumpu uma motor econômico para a Finlândia.
Gerações de famílias trabalharam em suas fábricas e viveram graças a estes depósitos de cromo à medida que a demanda de aço de qualidade superior aumentava em todo o globo. O governo finlandês é dono de 26% da jazida. Hoje, há 2.300 pessoas trabalhando no setor, na mineração, na fundição ou no transporte de quilômetros de aço laminado acabado para o porto da companhia, no Golfo de Bótnia.
O aço é transportado por navio do outro lado do Atlântico para os fabricantes americanos, os clientes mais assíduos da companhia finlandesa.
Mas a razão econômica das cadeias de suprimento globais foi tumultuada pelas tarifas de Trump. Com a imposição de uma tarifa de 25% às importações de aço da União Europeia e de outros aliados, Trump forçou os clientes de companhias como a Outokumpu a obedecer a uma lógica definida por suas políticas e não pelas forças do mercado.
O aço moderno é um produto de alta qualidade. Dependendo do que o cliente quer, as siderúrgicas mesclam ingredientes como níquel e titânio para criar diferentes graus de dureza, ductilidade ou resistência à corrosão.
Muitos tipos de aço, como as variedades fabricadas em Tornio, não estão disponíveis aos fornecedores nos Estados Unidos. Por outro lado, ninguém está muito interessado em produzi-los nos Estados Unidos porque a demanda é muito pequena para justificar o investimento. A Outokumpu tem siderúrgicas em pequenas cidades do Alabama e da Carolina do Sul, e também no México, mas nenhuma destas fábricas produz aço inoxidável de maneira tão eficiente quanto a finlandesa.
E tampouco existem minas de cromo ativas na América do Norte.
As tarifas aplicadas por Trump ao aço importado estão dando dores de cabeça a pessoas como Chris Ulbrich, diretor executivo da Ulbrich Stainless Steels & Special Metals, em Connecticut.
A empresa familiar compra o aço da Outokumpu e o processa para usá-lo em produtos como motores de aviões e airbags para automóveis. Uma das variedades de aço que Ulbrich compra da Outokumpu é a Type 305 Stainless que contém pelo menos 12,4% de níquel. A sua composição foi criada especificamente para um cliente que Ulbrich, por razões confidenciais e competitivas, não quis identificar.
Ulbrich disse que procurou o mesmo produto junto a companhias americanas que ainda produzem aço inoxidável. Encontrou uma disposta a produzir o aço. Mas a fornecedora insistiu que Ulbrich adquirisse uma quantidade muito maior do produto do que precisava. Ele disse que não teve outra escolha senão repassar o valor da tarifa aos seus clientes.
A fábrica da Outokumpu constitui também uma lição sobre o motivo pelo qual é impossível adquirir alguns tipos de aço nos EUA, ou em muitos outros países. Todas as séries de aços têm sua própria composição. Algumas destinam-se ao aço vendido à Miele, fabricante de peças de ponta alemã, para os cestos que giram no interior das máquinas de lavar e outros para as lâminas dos canivetes suíços da marca Victorinox.
“É como assar biscoitos, mas em uma escala diferente”, disse Niklas Wass, que supervisiona a fábrica de Tornio. “É preciso especializar-se em certas coisas”.